quarta-feira, 7 de abril de 2010

Imprensa e difusão: os parâmetros que contextualizam a credibilidade

Nesse 7 de abril, Dia do Jornalista vou publicar um texto que eu e duas colegas de profissão elaboramos para a matéria de Ética no Jornalismo. É bom refletir sobre isso, nem que seja só por um dia.
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Imprensa e difusão: os parâmetros que contextualizam a credibilidade
Acadêmicos de jornalismo realizaram uma pesquisa que visa verificar a confiança das pessoas na imprensa. Diante dessa premissa, analisar a opinião de quem acredita na imprensa seria, em suma, uma tarefa prazerosa. Afinal, ouviríamos o que é que se tem feito de melhor, as qualidades do trabalho realizado e, principalmente, o reconhecimento por parte da recepção. Pena que isso fica só na teoria. Considerando os 170 entrevistados, 51,2% disseram que não confiam na imprensa, e 48,8% alegaram confiar, e o que se ouviu dos entrevistados que optaram pelo sim não foi nada animador, pelo contrário, mesmo confiando eles têm dúvidas quanto ao papel que o jornalista se propõe a desempenhar.
As dez pessoas, homens e mulheres entre 18 e 56 anos, que responderam positivamente a pergunta: você acredita na imprensa, podiam escolher apenas entre confiar, ou não confiar. E, se uma análise da imprensa em muitas palavras não é fácil, sintetizá-la em duas opções – sim ou não – é praticamente impossível. Foi por isso que toda resposta positiva, veio sempre seguida do mas. O que faltou foi um meio termo na pesquisa, o depende – depende do meio, depende do assunto, depende, depende, depende. Se essa fosse uma das opções, a análise ficaria ainda mais complicada, já que possivelmente 48,8% de “sins”, juntamente com os 51,2% dos “nãos” migrariam para esse “mais ou menos”.
O que foi possível identificar é a quantas anda o crédito da imprensa para com o público. Afinal, ninguém diz de peito estufado: "confio na imprensa". O que se nota é que a notícia se tornou um mal necessário: as pessoas escutam, assistem, lêem jornais porque se sentem obrigadas a saber o que está acontecendo no mundo. Mas sempre, com o pé atrás.


“Sim, vejo a imprensa como um mal necessário. Afinal ela joga dos dois lados para te manipular politicamente e comercialmente, no entanto é ela que mantém você a par da realidade. Em poucas palavras a imprensa é o reflexo da sociedade.”
Professora, graduada em letras, 56 anos


“Na verdade, acredito, só não confio integralmente. Sem a imprensa não saberíamos o que é fato, só saberíamos o que acontece à nossa volta. No entanto, quando penso na imprensa me vem à idéia de um jogo de interesses. È por isso que acreditar é complicado, e não acreditar é se isolar.”
Dona de Casa, com ensino médio completo, 38 anos


Nesse ponto, a confiança se torna uma questão ética. Veja bem, as pessoas não desconfiam do que elegemos como notícia e sim de como ela é tratada, como a história é contada. Essa desconfiança tem um motivo plausível: a imprensa possui um longo histórico de equívocos. Alguns deles acidentais, outros explicitamente propositais. Como exemplo, pode-se citar o caso publicado no livro “Pragmática do Jornalismo”, de Manuel Carlos Chaparro. A pesquisadora, que analisou o caso, acompanhou a produção de matérias relevantes em dois jornais do país: Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. O primeiro caso citado no livro foi a análise de uma matéria que dizia respeito ao racionamento de água em alguns bairros de São Paulo, publicada em nove de novembro de 1989.
A empresa Sabesp, responsável pelo saneamento desses bairros, havia estabelecido um rodízio: determinado bairro ficaria quatro dias com água, e um dia sem. E o jornal a acusava de ter alterado o rodízio, sem avisar a população. A repórter Tânia Belickas foi à apuração: colheu três depoimentos de moradores, entre eles o da dentista Alda Costa Ferreira. Na matéria, Alda teria dito que armazenou água em baldes em prevenção ao racionamento, mas que no dia seguinte simplesmente não houve falta de água. Dias depois, é que acordou e verificou que as torneiras estavam secas. A repórter ainda publicou a seguinte declaração como sendo de Alda: “A Sabesp precisa se organizar melhor, assim como o país”.
A pesquisadora ouviu a dentista que desmentiu tudo o que foi publicado ao seu respeito: “Não falei isso. Pelo contrário, são tão poucos os dias em que falta água que não faz diferença. A repórter não estava ouvindo. Queria fazer uma reportagem com todo mundo dizendo que faltava água. Ficou ridículo sair publicado que eu armazenei água em balde. Isso é anti-higiênico, sou uma dentista, moro num bairro bom, tenho caixa d’água e não guardo água em balde e panela. Achei absurdo o que fizeram com meu depoimento. A única coisa verdadeira que colocaram sobre mim foi meu nome e minha profissão.”
O detalhe que explica a distorção da matéria foi o fato do então diretor de redação do Estado de S. Paulo, Augusto Nunes, morar em um dos locais onde houve corte de água e, por isso, ter encomendado a matéria. Ou seja, interesses pessoais sendo pautados.
A repórter também foi ouvida pela pesquisadora. Ela afirmou que realmente não era a maioria dos moradores que reclamava da falta de água. Tânia tentou justificar sua falta de ética com o seguinte desabafo: “Eu não queria fazer esse tipo de coisa. Mas se a gente não fizer, outro vem e faz. Somos perfeitamente substituíveis”. Será que concorrência é motivo para passar por cima de princípios éticos?


"(...) acontece que o jornalista é um formador de opinião, e isso dá para ele o poder de criar verdades aparentes. Como não gosto de estar submetido a este tipo de lógica, eu ainda tenho receios ao colocar a imprensa como confiável."
Motorista, ensino médio completo, 40 anos


Formadores de opinião – é um grande poder e uma grande responsabilidade nas mãos do jornalista. E “jogar isso janela à fora” com objetivo de passar a frente dos demais, não justifica a quebra do compromisso que o jornalismo tem: garantir a sociedade um dos seus direitos fundamentais, o direito à informação. E uma informação que seja clara, objetiva e dê possibilidades para que o público reflita e se posicione. O papel da imprensa não é homogeneizar a resposta de quem está do outro lado da informação, até por que a recepção não é passiva, ela (ouvintes, internautas, leitores, telespectadores) reage às informações que recebe, e identifica quando algo está errado. É justamente isso que evidencia, e justifica, o mas nas declarações colhidas na pesquisa.
É por isso que a teoria da Agulha Hipodérmica – em que toda resposta deriva de um estimulo, que no caso dos meios de comunicação de massa seriam dados pela audiência vista como uma massa uniforme e amorfa – perde sentido. É perceptível como a comunicação é extremamente heterogênea, cada um tem seu próprio ponto de vista. E a imprensa não determina o que o receptor deve pensar ou como deveria agir. O compromisso é apenas recortar da realidade aquilo que teve maior relevância, durante determinado período.
Para exemplificar vamos voltar ao passado, mais precisamente para o ano de 2008. No dia 29 de março daquele ano uma menina de cinco anos teria sido atirada pela janela por alguém desconhecido. O país parou para acompanhar o caso Isabela Nardoni. A imprensa ficou mobilizada com a história e durante semanas foram apresentados os desdobramentos do fato. A grande cobertura foi julgada como sensacionalista, mas apenas mostrou o que acontecera e em nenhum momento o trato da notícia foi considerado como algo incoerente. A entrevista do pai, Alexandre Nardoni, e da madrasta, Anna Carolina Jatobá, feita pelo jornalista Valmir Salaro, veiculada no dia 20 de abril de 2008 no Fantástico, é a prova viva de que não houve uma manipulação da verdade. Durante a entrevista o jornalista não tentou encurralar os possíveis culpados pela morte da menina, o motivo é simples: os entrevistados tinham muito a dizer e o comportamento que eles tiveram enquanto respondiam os questionamentos de Salaro dizia ainda mais sobre o caso. A imprensa não os julgou, não os tratou como culpados em nenhum momento, apenas levou a informação e deixou o público formar a própria opinião. De volta a março de 2010, o caso Isabela Nardoni novamente está em pauta. O julgamento do casal Alexandre e Anna Carolina está sendo amplamente divulgado e discutido nos meios de comunicação. As opiniões continuam divididas e até agora nenhum posicionamento por parte da mídia induziu alguém a os considerar culpados ou inocentes.
Outro caso que serve como exemplo é a investigação recente dos “funcionários fantasmas” no Paraná, um serviço que a imprensa presta a comunidade. Como citou Victor Barone, nas palavras de Karl Marx (“Verbas oficiais e a mídia alternativa”, 10/2/2009, no Observatório da Imprensa): “A função da imprensa é ser o cão-de-guarda, o denunciador incansável dos opressores, o olho onipresente e a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade”.
No entanto, parece que o público lembra mais facilmente das falhas jornalísticas, do que dos acertos: como é fácil lembrar do debate veiculado no Jornal Nacional entre os candidatos a presidência Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor em 1989, em que a edição favoreceu uma das partes envolvidas; e dificilmente recordamos de algo recente como a cobertura da última eleição presidencial feita pelo mesmo jornal, que foi premiada internacionalmente com o Emmy de Jornalismo.
A grande pergunta, na verdade, se coloca no que mantém a imprensa enquanto algo concreto, instituído como tal. Essa diversidade, essa liberdade dada ao receptor para formar a própria opinião se resume em um dos tipos de recepção apontado por John Thompsom em seu livro "A mídia e a modernidade, uma teoria social da mídia": a negociação. O que faz da imprensa uma impulsionadora de pensamentos divergentes sobre determinado tema é justamente a relação de troca que há entre o que se emite e o que se entende sobre a questão exposta. Tomando Cuba como referência: um país em que há um único jornal para levar todas as informações para todas as pessoas. Seria possível acreditar no que consta nas páginas do jornal? Um único olhar sobre o fato coloca a publicação como verdadeira e não maquiada? É esse o ponto chave do constante mas na pesquisa. Não é a singularidade imposta que os jornalistas procuram levar para o público, são as divergências que constroem um ponto de vista. A informação se torna um jeito de ler o mundo, e compreendê-lo.
O jornalismo acaba se tornando um espelho da realidade e a preocupação de quem se coloca como mediador é justamente tornar o fato acessível a todas as classes, de maneira imparcial. Se isso não acontece sempre, a razão é a mesma pela qual os médicos não salvam todas as vidas, é a mesma que leva os advogados a perderem uma causa, e assim por diante. Comunicar é o trabalho dos jornalistas, não esquecendo que eles são seres humanos e têm o direito de errar, e muitas vezes erram, mas possivelmente tentando acertar.


“Acredito na imprensa, mas tenho plena consciência de que muitas vezes ela comete equívocos ao transmitir certas informações. Claro, o erro não pode se tornar uma regra.”
Estudante de publicidade, 21 anos


Assim sendo, a credibilidade da imprensa está ligada ao que a recepção entende das publicações veiculadas, recepção que não é alienada como acreditam certos comunicadores, basta prestar a atenção nas respostas dos entrevistados. E se faltou a opção do depende na pesquisa, a culpa também é da constante dependência do comportamento de quem lida com a informação. Tudo não passa de uma questão de depende: do tempo, da responsabilidade do jornalista, do veículo, da qualidade e das decisões do profissional que estudou para cumprir o seu papel de formador de opinião e de mediador da informação, da conduta ética escolhida pelo jornalista ao avaliar os critérios que o levam a informar determinado assunto, e principalmente como este trata a notícia tendo como base a recepção. Portanto, melhorar a qualidade do material jornalístico deve ser uma operação conjunta, onde o jornalista se esforça para realizar o seu trabalho de forma cada vez mais aprimorada, em contrapartida, a população reconhece isso e dá aos profissionais da comunicação os créditos que merecem.

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Referências Bibliográficas:

THOMPSOM, John B. A mídia e a modernidade, uma teoria social da mídia. Petrópolis - RJ, Editora Vozes, 1998.
REGO, Francisco Gaudêncio Torquato do. Comunicação Empresarial/Comunicação Institucional. Conceitos, estratégias, sistemas, estrutura, planejamento e técnicas. Editora SUMMUS, São Paulo/SP, Brasil, 1987
BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. Companhia das Letras, São Paulo/SP, 2000.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmática do Jornalismo. Editora Summus, São Paulo/SP, 1994.


Referências Webgráficas:
BARONE, Victor. Verbas oficiais e a mídia alternativa. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2010.
WEIS, Luiz. Confiança na mídia é maior no exterior. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2010.
CASTILHO, Carlos. Pesquisa mostra baixa credibilidade dos jornalistas nos três poderes da democracia. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2010.
LIMA, Edson. Confiança na imprensa. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2010.
CAMACHO, Leonardo. Os jornalistas assessores. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2010.
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Texto escrito pelas acadêmicas de Jornalismo Jéssica Carolina Moreira, Marcele Antonio e Nathália Sartorato.

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